quinta-feira, 16 de junho de 2011

Quebrando paradigmas

Objetividade, imparcialidade, informação, conhecimento e tantos outros termos utilizados para descrever a profissão jornalística, são os mesmos questionados e levados à tona quando o assunto diz respeito à qualidade do conteúdo oferecido ao leitor.

Nosso jornalismo sempre esteve amputado de uma das pernas, e isso vem sendo verificado intensamente nos últimos anos, quando houve uma significativa queda das tiragens e da subtração dos jornalistas nas redações, o que mesmo implicando em quantidade, é conseqüência de um desleixo na qualidade.

A emergência de um novo olhar para a profissão e uma nova forma de produzir notícias vem sendo debatido principalmente apenas dentro dos ambientes acadêmicos e em alguns grupos restritos que acreditam que a atual situação pode ser modificada, e assim possamos ganhar mais alguns anos de sobrevida.

A figura do jornalista, aquele personagem ideal, do povo, seguro de si e dono de uma imensa bagagem cultural e social, certamente não é a mais comum ou a mais vista nos meios de comunicação. Presenciamos um profissional mais apegado às práticas comuns, fixo em um ponto, ou seja, à redação, e, particularmente, tendencioso, ligado intimamente a relações de favores e tímido quanto as suas constatações.

O jornalismo praticado na atualidade é resquício dos paradigmas que circundam a modernidade, os quais encobriram as mais diversas instituições políticas/sociais e as deixaram tão defasadas quanto os próprios indivíduos inseridos.

A ausência de contexto, a informação superficial, o descaso com a qualidade do conteúdo, fontes inexistentes, pautas repetidas e a despreocupação humana com o acontecimento, são apenas algumas das muitas características que foram se agregando ao longo do caminho. O jornalismo brasileiro é uma cópia americanizada, técnica e individualista, pretensiosa diante da informação e que visa somente o lucro. Abraçado por uma classe eletista, e contaminado pelas amarras políticas tão presentes na cultura nacional, nos rendemos aos vícios e passamos a produzir notícias sem fundamento, sensacionalistas, sem base e sem sentido.

A realidade é traçada como objeto de reprodução, prevalecendo unicamente a dicotomia: verdade e mentira. As possibilidades sem reduzem, e somos obrigados a aceitar apenas o que é mostrado, isso mesmo, pois a maior parte do acontecimento fica encoberto pela sombra do medo e da ineficácia de profissionais incapacitados.

Há uma necessidade de um mergulho mais profundo e mais preciso que dê possibilidades ao leitor de definir a sua própria realidade, já que por meio de um pensamento complexo, ela se faz muito mais ampla e diversificada.

Segundo a professora e estudiosa de meios digitais, Janet Murray, é necessária uma imersão no conteúdo oferecido. É fundamental participarmos das narrativas e criarmos a nossa própria história, através da teia de possibilidades que o autor oferece. Tal conteúdo interativo e de qualidade pode muito bem ser aplicado às narrativas jornalísticas, que carecem de um embasamento e de preocupação quanto ao seu conteúdo.

A verdade é que sempre estivemos vendados por um jornalismo ideal que não corresponde ao real. Fomos apresentados ao dono da verdade absoluta, vigilante, dotado de objetividade e tido como imparcial. Na prática, certamente nos afastamos da idéia inicial, porém nada disso impede que tenhamos um jornalismo de qualidade e participativo. Prova disso é o jornalismo europeu, que mesmo subjetivado e com juízos sobre a realidade, não deixou de ser completo e reconhecido.

A exigência atual é por um jornalismo capaz de entender e retransmitir os fatos e acontecimentos, não uma cópia fiel da realidade, sem contexto e sem profundidade, mas sim um olhar sensível de uma realidade interna, próxima e tão humana quanto o próprio autor que é um instrumento de compreensão da sociedade, pelo menos era pra ser assim.

Mergulho no “eu”

“Construção” é considerado por muitos um dos melhores álbuns da música popular brasileira, e isso se deve à imensa capacidade de Chico Buarque de transmitir uma mensagem por meio de suas composições que mesclam protesto com canções líricas e envolventes. Foi lançado em 1971, em meio ao caos da ditadura militar, e logo se tornou sucesso absoluto, atingindo rapidamente a marca de 100 mil cópias vendidas.

O álbum conta com dez faixas, entre composições suas e em conjunto com outros músicos, como Vinícius de Moraes, Toquinho e Tom Jobim. O álbum apresenta músicas que sem dúvida fizeram do artista um ícone da música brasileira, como “Construção”, “Valsinha” e “Apesar de você”, esta última tida como a única música que realmente exalta uma voz de protesto contra o regime opressor, segundo o próprio compositor.

A obra não é considerada somente um clássico por ter marcado uma época importante da política brasileira e ter perdurado ao longo dos anos, mas também pela qualidade técnica, como se cada canção fosse um pedaço da nossa própria história e a de Chico, contada em estrofes.

Difícil é não traçar uma ligação pessoal com um dos trechos ou mesmo toda uma canção. As músicas de Chico Buarque são feitas para apreciar, pensar e repensar, viajar na própria imaginação. Um mergulho no “eu” talvez seja uma das muitas possibilidades que as letras nos proporcionam.

O primeiro contato que tive com o álbum foi em 2006. Na época estava inserido em uma companhia de dança, e algumas músicas do álbum “Construção” iriam compor o espetáculo seguinte que estava em processo de criação. Foi paixão à primeira vista, a melodia cadenciada, marcada por batidas rítmicas se encaixava perfeitamente nos movimentos dos braços e pernas que na música se embalavam.

A música “construção” particularmente funcionava como uma válvula de escape. Logo após sentir a primeira batida, tudo a minha volta sumia, era a música e eu, como se o meu corpo tivesse sido programado para executar cada movimento como se fosse o “único” ou o “último”. E cada vez que a música se repetia a sensação era a mesma, os movimentos pareciam não ter fim.

Certamente, o álbum chama muito mais a atenção pelo todo do que pela parte. A obra me conta uma história, com apresentação, desenvolvimento e desfecho, uma saga com variados personagens e cenários, digna de um poeta como Chico.

A última faixa do álbum, “Acalanto”, talvez seja a música que mais me toca e me fala algo. Ela traduz um sentimento puro e ingênuo, uma fuga das amarras e desilusões que a vida impõe. São seis versos que a cada vez que são re-escutados trazem um novo sentido e uma diferente sensação, como se fosse a primeira vez que tocasse.

As músicas do “poetinha”, assim como era chamado, possibilitam as mais diversas interpretações e, sobretudo, provocam reações das mais diversas. Chico traça uma relação com seu público, traduzindo nossas vontades e anseios, por meio de letras ousadas, poéticas e sugestivas que nos acompanham ao longo de toda uma vida.

Traçando um perfil

A tragédia em Realengo, ocorrida no dia 7 de Abril, suscitou diversas discussões no que diz respeito à segurança pública, e não menos importante, possibilitou mais algumas das muitas análises feitas pela imprensa, quando surge um caso como este.

A mídia sempre se comportou não só como observadora dos acontecimentos, mas também como psicóloga passiva de análises, muitas vezes clínicas, acerca das motivações que levam alguém a cometer tamanha brutalidade. Entre as suas diversas funções, alguns dos seus papéis desempenhados são os de: desvendar mistérios, atribuir sentidos e buscar significados às reações, as quais nem sempre são planejadas, e por vezes são consequências de impulsos, motivadas por sentimentos momentâneos, tais como os estados alterados da consciência.

Em seu artigo, publicado no portal Observatório da Imprensa, no dia 12 de abril, o jornalista Jorge Claudio Ribeiro, objetivando identificar as reais causas que impulsionaram Wellington de Oliveira a assassinar 12 crianças e em seguida se matar, acabou fomentando ainda mais a criação de estereótipos e imagens que nem sempre condizem com a verdade.

Jorge Ribeiro, logo no primeiro parágrafo do seu artigo, convoca o leitor para uma imersão na carta deixada pelo assassino, como forma de obter respostas. Assim feito, a história passa a ser pública e os códigos da carta são decifrados, caso contrário “corremos o risco de sermos devorados por ele [o assassino]”, conforme palavras do autor.

O trecho instaura o pânico a partir do momento em que a necessidade de descobrir quem é Wellington, e o que o motivou a cometer tal ato, é maior do que o fato em si, a dor das famílias e o trauma deixado nas crianças, as quais vivenciaram e, sobretudo, observaram a chacina.

O jornalista parte de frases e palavras confusas escritas por um jovem que estava fora de si, para descrever o seu comportamento, suas crenças, seu modo de se relacionar e o seu modo de ver. Não é através dos verbos, do tom que o assassino escreveu a carta de despedida, as referências e símbolos evidenciados no texto, que traçaremos um perfil básico de um psicopata, em plena ebulição de um ataque sem precedentes. Muitas vezes o silêncio, próprio de indivíduos calculistas e estratégicos, diz muito mais de uma pessoa capaz de praticar tal ato.

Na psicanálise, a loucura é tratada como um “estado alterado permanente”, que está à sombra da razão. Assim, o indivíduo dominado por tal variante psicopatológica não precisa de motivos e muito menos estopins para realizar uma ação. Ao contrário do que é dito pelo jornalista, não necessitamos compreender a mente de Wellington para que ações preventivas sejam realizadas, desta forma estaremos apenas acentuando ainda mais o medo já disseminado na sociedade.

Conforme dito pelo jornalista, a carta “manifesta profundas contradições”, ou seja, podemos levar em consideração que as palavras se confundem, ao mesmo tempo em que se perdem. Deste modo, fica claro a existência de excertos que nada dizem e apenas confirmam uma personalidade confusa, a qual dificilmente será descrita em algumas linhas.

O jornalismo de qualidade na internet conseguirá se tornar autossustentável?

Desde a sua expansão no século XIX, o jornalismo sempre está em processo de transformação e isso é verificado particularmente com o surgimento dos novos meios de comunicação que servem de base para a prática da atividade.

O jornalismo assume diversas características ao longo dos anos e aos poucos os valores inerentes à atividade vão se perdendo e, sobretudo, se rendem às relações mercadológicas. No entanto os valores da verdade e liberdade não deixam de serem considerados os pilares sustentadores do exercício da profissão.

A qualidade no jornalismo é facilmente ligada à ideia da reprodução mais idêntica possível da realidade, sem juízo de valor ou qualquer detalhe que diga respeito ao olhar subjetivo do jornalista.

O jornalismo impresso é caracterizado pela carga maior de informação, assuntos completos e bem apurado. Com o surgimento da internet e o objetivo de divulgar uma quantidade maior de notícias em um menor espaço de tempo, parte desse conteúdo é comprometido e a qualidade do jornalismo apresentado nesta mídia específica passa a ser questionada.

A internet foi uma inovação no conceito de notícia em tempo real, e profissionais que antes se dedicavam ao impresso, ao rádio e à televisão migraram para este novo suporte. O “Jornal do Brasil” foi o primeiro a oferecer cobertura jornalística na internet e a deixar o impresso, no entanto essa mudança não implicou na qualidade da informação apresentada.

Grandes empresas de comunicação buscam na internet uma sobrevida para suas publicações, visto que o custo-benefício é menor para manter uma versão eletrônica. Porém a informação disponibilizada, e em excesso, faz com que o leitor não decodifique totalmente a mensagem, tornando-o despreocupado e defasado quanto ao conteúdo.

O jornal impresso observa os rumores do seu desaparecimento sempre que uma nova mídia ganha força, foi assim com o surgimento do rádio, da televisão e agora com a internet. No entanto, as empresas jornalísticas têm feito um enorme esforço para se adaptar aos novos moldes e a necessidade dos seus leitores. É o jornal impresso que dispõe de equipe de reportagem para vivenciar o acontecimento, e o fato visto de perto implica na qualidade da notícia apresentada, diferentemente de informações soltas e repassadas por terceiros ou até mesmo copiadas, como visto na internet.

A autossustentabilidade da internet é muita relativa, quando constatamos que o conteúdo veiculado ainda não está perto do ideal proposto. Outro fator é o fato de ser considerada um território aberto, sem restrições, sem segurança e sem legislação.

Tanto o jornalismo impresso como o produzido na internet sofrem com a escassez de recursos e incentivo para investir numa maior qualidade dos processos produtivos, porém o impresso ainda sobrevive e permanece à frente quando o assunto diz respeito a informação completa e apurada.